domingo, 7 de abril de 2013

Hoje na RTP1 - o sucesso do populismo e da orfandade do país político de 2013

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POR QUE NÃO SAÍMOS DA CEPA TORTA

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Este homem foi um perigo, ajudou, e muito, a afundar-nos colectivamente, e seria hoje de novo um perigo, se não houvesse tão recente e viva memória dos seus "feitos".    Mas o que é interessante é perceber que dele não nos defenderam muitos dos iluminados da nossa praça, à direita e à esquerda, como agora também não seriam capazes de o fazer.    A razão por que me preocupa a reacção à entrevista é esta:    este homem seria o populista ideal, e muita gente abre-lhe alas, apenas porque ele fala alto e grosso, num mundo em que Seguro é o que é, e Passos e Relvas são que são, e não suscitam nem temor nem entusiasmo.    Apenas tédio e preocupação. 
 
Quando falei da nostalgia que alimenta esta reacção à entrevista foi disso mesmo:    a direita precisa de um inimigo e trata-o como a quinta-essência das malfeitorias da esquerda, coisa a que nunca pertenceu, porque precisa de encontrar identidade pela construção de um adversário.    Sócrates é o adversário ideal, e é por isso que foi com a sua colaboração e assentimento que o Governo lhe abriu as portas da "sua" televisão.    Para além disso, calcula que, por muito que possa vir a ser atingido por um ou outro remoque certeiro, Sócrates será um problema essencialmente para o PS.    Os estragos que Sócrates possa vir a fazer ao Governo serão sempre entendidos como danos colaterais, aceitáveis pela enorme vantagem de ele impedir, pela sua mera existência semanal na televisão, a consolidação da liderança de Seguro.    Por outro lado, a vendetta pessoal de Sócrates contra Cavaco é também bem-vinda, porque, para o grupo à volta de Passos Coelho, Relvas, Menezes e Ângelo, colocar o Presidente na ordem é uma necessidade estratégica. (...)
 
O mesmo fenómeno de nostalgia e radicalização existe à esquerda. A esquerda, principalmente a que está órfã no PS de Seguro, enfileira atrás daquilo que pensa ser um cabo de guerra a sério e não de um clone com falinhas mansas.    Há demasiada orfandade na actual "oferta"política para deixar um lugar para Sócrates e ele ocupa-o, não porque queira o lugar de Seguro, mas também porque, para ele, as dificuldades de Seguro serão a sua versão dos danos colaterais.    O "animal feroz" para "tomar a palavra", que nele significa o mesmo que "tomar um castelo", sabe que prejudica Seguro, mas é suficientemente obcecado com a sua pessoa e a sua missão para não se preocupar com isso.
 
A comunicação social, com quem Sócrates manteve uma relação muito próxima até ao momento em que iniciou a sua queda, quando, à maneira portuguesa, todos os que lhe apararam o jogo, o começaram a calcar com a mesma veemência com que o adulavam, gosta de festa, e Sócrates dá-lhes festa.    Este homem que, como Relvas, mas com muito mais poder e cumplicidades, usou todos os meios ao seu alcance para afastar os jornalistas que se lhe opunham e punir todos os que o afrontavam, volta hoje a ser tratado com a mesma complacência com que se aceitavam sem questionar os seus anúncios propagandísticos e sua contínua manipulação dos factos e estatísticas.  (...)
 
A história da "narrativa" é reveladora.    Sócrates apresentou-se como pretendendo combater a "narrativa" que a direita fazia da sua governação e queda, opondo-lhe a sua própria "narrativa".    Esta história das "narrativas", um modismo para designar uma construção ficcional de eventos, preso exactamente pelo fio da narrativa, é atractiva porque procede a uma selecção de factos, moldados pela sequência cronológica escolhida, que pode não ser a que aconteceu, e pela eliminação dos "factos-problema", que podiam prejudicar a clareza ficcional da história.    Na sua "narrativa", Sócrates coloca o seu principal motor interior, a sua vontade, cuja determinação varreu com tudo, bom senso, estudo, conhecimento, verdade, atenção ao real, custos, condições, tudo.    E levou-nos ao que se sabe.
 
É, no fundo, um argumentário político, que pode ter uma maior ou menor aproximação à realidade ou à ideologia, e que serve como discurso de justificação, mas não é, nem foi, o que aconteceu, não é a realidade, nem a verdade.  (...)
 
Não foi a entrevista que foi interessante.    Foi o seu efeito.    O sucesso do retorno de Sócrates não é o sucesso do governante de 2005-2011, nem a sua reabilitação, mas o sucesso do populismo e da orfandade do país político de 2013.    Faz uma diferença.    Faz toda a diferença.

(Por José Pacheco Pereira, In ABRUPTO)
 
 

1 comentário:

Anónimo disse...

Temo que este país não saia da cepa torta por uma simples razão... o futebol. É um país onde as pessoas associam tudo ao futebol, a política é futebol, é mais forte o "inimiguismo" do que o desenvolvimento e interesse nacional (claro que em parte é um inimiguismo encenado).

Vai-se perceber porque é que o país está a falir primeiro que sporting benfica e porto, porque há interesse em que as pessoas vivam cegas em ver futebol em tudo o que mexe, e assim se possam manter sempre um dos partidos "grandes" no poder, tal como na bola.

Cumprimentos