quinta-feira, 5 de maio de 2011

E o sequestrador irá continuar por aí à solta! Pelo menos até dia 5...

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O Sequestro

Portugal tem neste momento um ministro cativo, sequestrado.   Chama-se Fernando Teixeira dos Santos, é professor de economia e ainda exerce funções como ministro das Finanças.   Este sequestro ministerial é a chave para perceber o exacto ponto onde nos encontramos.

Teixeira dos Santos esteve desaparecido praticamente todo o mês de Abril.   Desde o dia 8 que não lhe ouvimos uma palavra.   Na última vez que falou, em entrevista ao Jornal de Negócios, foi para precipitar o pedido de ajuda externa ao FEEF/FMI consumando um facto contra o qual o primeiro-ministro se vinha a opôr há meses.   Desde aí escondeu-se, ou melhor, foi escondido.   Faltou a tudo o que fosse cerimónia pública.   Faltou até ao 25 de Abril em Belém.   Contactos com jornalistas, nem pensar.
Há razões plausíveis para supor que o sequestrador de Teixeira dos Santos anda por aí, em liberdade.   É um sujeito perigoso, com antecedentes perigosos.   Chama-se José Pinto de Sousa, embora use José Sócrates.
O bacharel em Engenharia Técnica tem, é verdade, um forte motivo contra o sequestrado.   Em Outubro de 2010, Teixeira dos Santos avisou que, se os juros passassem os 7%, seria impossível não recorrer ao FMI.   Em Novembro, Dezembro, Janeiro, os juros da dívida ultrapassaram a barreira dos 7%.   Em Março, quando Sócrates e Teixeira dos Santos vão a Berlim conferenciar com Ângela Merkel, os juros da dívida atingem os 7,4%.
O país andou, portanto, durante meses a brincar aos juros insustentáveis, só porque Sócrates não queria admitir que tinha falhado.   Em Abril as finanças estoiram.   Perante o buraco de tesouraria que já comprometia o pagamento dos salários das Forças Armadas e a pressão pública e desesperada dos bancos, Teixeira dos Santos decide finalmente agir contra o chefe e antecipa, sem avisar Sócrates, o pedido de ajuda.
A partir daí Teixeira dos Santos ficou impedido de falar e é atirado borda fora das listas para deputados.   Ao antecipar o pedido de ajuda, admitiu que o país estava em bancarrota e deixou o chefe descalço.   Pior, sabendo-se que o fez contra a vontade imperturbável do chefe dias antes de os pagamentos às forças armadas se atrasarem, revela que Sócrates estava determinado (essa sua grande qualidade) a sacrificar o país em nome da sua estratégia eleitoral.   Tudo o que dissesse seria agora fatalmente comprometedor para Sócrates.   Teixeira dos Santos acabou sequestrado para não poder ser colocado sobre perguntas sobre o revelador episódio.
E chegamos à comunicação de terça-feira, no dia do acordo com a troika.   Perante a pressão crescente da teoria do sequestro, Sócrates aproveita a oportunidade para tranquilizar os inquietos com o desaparecimento do ministro.   Foi falsa prova de vida.   O ministro sequestrado aparece ao lado de José Sócrates.   Cavernoso, lânguido olhando muda e inexpressivamente para as câmaras.   Não houve perguntas.   Não lhe ouvimos uma palavra.   Sócrates exibiu a sua presa, como um animal empalhado.   Sabemos que na sua aparição de hoje Teixeira dos Santos irá falar, mas será em regime de liberdade controlada.
Enquanto Sócrates, com um júbilo ofensivo, descrevia aquilo que o acordo com a troika não tem:   “não mexe no subsídio de férias, nem de Natal, nem no salário mínimo”, “mantém a escola pública” e “não é precisa revisão constitucional”, alguém deveria lembrar a esta extraordinária figura que há, de facto, um ponto que não está no acordo.   Ninguém nos vai ressarcir dos juros proibitivos e criminosos que Sócrates nos forçou a pagar todo este tempo em que protelou um pedido de ajuda, para no fim acabarmos com um programa de governo detalhado e liberal imposto de fora para os próximos anos, que não é o PEC IV e que não só nos transforma num protectorado como impõe muito daquilo que o governo disse que jamais faria.
Mas Sócrates não vê meios nem fins.   É capaz de sacrificar um país inteiro aos seus calendários e às suas manipulações.
A verdade é que não foi só Teixeira dos Santos o único sequestrado.  Fomos todos.

(Pedro Lomba, in Público - 5-5-2011).
(Imagens e sublinhados são deste blogue)
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