sexta-feira, 18 de março de 2011

O perigo vem do Japão - a central nuclear de Fukushima

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Como é feita e como funciona uma central nuclear

A central nuclear do complexo Dai-Ichi - Fukushima usa reactores de água em ebulição (BWR), como o indicado na figura.   Os reactores de água fervente são semelhantes a uma panela de pressão.



O combustível nuclear aquece a água, a água ferve e liberta vapor, e o vapor move as turbinas que geram a eletricidade.   O vapor é então arrefecido e condensado, voltando à água, e a água enviada de volta, por meio de bombas, para tornar a ser aquecida pelo combustível nuclear.   E neste ciclo constante esta “panela de pressão” opera em torno dos 250 °C de temperatura.



O combustível nuclear é o óxido de urânio (UO2), com excepção do reactor 3 que é de plutónio (Pu).   Quer o Urânio quer o Plutónio são materiais altamente radioactivos, este bem mais perigoso do que aquele.   O óxido de urânio é usado aqui sob a forma de uma cerâmica, cujo ponto de fusão é bastante elevado (cerca de 3000 °C).   Este combustível é colocado num tubo longo e feito em "zircaloy" (uma liga de zircónio) com um ponto de fusão de 2200 °C, e depois hermeticamente selado.   Este conjunto é denominado por "barra de combustível".   Estas barras de combustível são então empilhadas paralelamente formando pacotes maiores, e uma série destes pacotes são então colocados dentro de uma "cápsula".   O conjunto "encapsulado" destes pacotes é chamado de "núcleo do reactor", o coração e o motor da central nuclear.


O núcleo é então colocado num "vaso de pressão" (referência à tal panela de pressão).   Este vaso de pressão é a segunda parede de protecção do combustível radioactivo.   Trata-se de um vaso fabricado numa liga de aço resistente com cerca de 15 cm de espessura, destinado a conter o núcleo de forma segura e a capacidade de aguentar temperaturas de várias centenas °C e as respectivas pressões geradas, elevadíssimas.


Todo o "hardware" do reactor nuclear - o vaso de pressão e todas as tubulações, bombas, refrigerante (água) e reservas - são então envolvidos por um contentor em balão, feito em cimento e aço de alta resistência, de paredes bastante grossas e hermeticamente selado. Este contentor é o terceiro elemento de protecção do combustível e é projectado e construído com uma única finalidade:  -conter e aguentar uma fusão completa do núcleo.  
Para esse efeito, é construída uma bacia de grandes dimensões, feita de uma grossa camada de cimento moldado sob o vaso de pressão e preenchido com grafite.   Esta bacia é designada pelo "caçador de núcleo".   Se o núcleo derreter e abrir fendas no vaso de pressão, esta grafite irá absorver o combustível nuclear derretido, espalhando-o para que ele possa arrefecer.


Este terceiro contentor é depois cercado pelas paredes do edifício construído em redor do reactor.   E é este edifício que (parece...) terá explodido nos 4 reactores da central de Fukushima.




O que aconteceu em Fukushima - O que correu mal

Quando o terramoto do dia 11 (de grau 8,9) atingiu os reactores nucleares, todos eles desligaram automaticamente.   Poucos segundos após o início do terramoto, as hastes de controle foram inseridas no núcleo e a reação nuclear em cadeia do urânio parou.   A partir deste momento, o sistema de arrefecimento teria de eliminar o calor residual.   Esta carga de calor residual é de aproximadamente 3% da carga térmica em condições normais de funcionamento.

Mas o terramoto, além de provocar a quebra da energia eléctrica necessária para mover as bombas da água refrigerante, destruiu também a fonte de alimentação externa do reactor nuclear.   Este é um dos acidentes mais graves para uma central de energia nuclear.   A partir do momento em que a central é desligada, ela não pode produzir eletricidade para alimentar e assegurar as funções básicas.
Durante cerca de uma hora, os sistemas de arrefecimento dos núcleos processou-se normalmente através de um conjunto de vários geradores de emergência a gasóleo que forneciam a electricidade necessária para o funcionamento das bombas.
Mas veio depois o Tsunami (onda com 10 metros), muito maior do que as pessoas esperavam aquando da construção da central.   Resultado, o tsunami inutilizou todos os vários conjuntos de geradores de "backup" a gasóleo.

Ao projectar uma central de energia nuclear, os engenheiros seguem uma norma que é construir tudo de modo a suportar a pior catástrofe que se pode imaginar, projectando-a de tal forma que ela ainda possa continuar a funcionar com falhas do sistema, uma após a outra. Um tsunami que retira todo o poder de um "backup" num forte impacto é um cenário verdadeiramente catastrófico numa central nuclear.
Quando os geradores a gasóleo colapsaram, os operadores do reactor ainda tentaram um último recurso: - a utilização de geradores móveis a diesel, que foram transportados para dentro da central.   E foi aqui que as coisas começaram a dar muito errado. Os geradores externos de energia não poderam ser ligados à central (as fichas não encaixavam).   Verdadeiramente a Lei de Murphy em toda a sua extensão e crueza: - tudo o que poderia dar errado, aconteceu!



Foi nesta fase que as pessoas começaram a falar no perigo da fusão dos núcleos.   Porque, no final daquele dia, se o arrefecimento não pudesse ser restaurado o núcleo iria provavelmente derreter (questão de horas ou dias), e a última linha de defesa, o “caçador do núcleo”, contenção de terceiro plano, iria entrar em função.

Mas as preocupações nesta fase eram, acima de tudo, gerir o aquecimento do núcleo e garantir que a contenção de primeira linha (os tubos zircaloy que contém o combustível nuclear), bem como a contenção de segunda linha (a nossa panela de pressão) permanecem intactas e operacionais durante o maior tempo possível, dando tempo aos engenheiros para reparar o sistema de arrefecimento.

Arrefecer o núcleo é uma tarefa muito complicada, principalmente em situação de emergência a este nível, dado que o reactor tem uma série de sistemas de refrigeração, cada um para várias funções, não sendo fácil neste ponto saber qual deles falhou.   E, entretanto, a pressão continua a aumentar e a acumular-se.  
A prioridade agora é manter a integridade do primeiro nível (manter a temperatura das barras de combustível abaixo de 2200 °C), bem como a contenção de segundo nível, a panela de pressão que as envolve.   A fim de manter esta integridade da panela de pressão, esta pressão tem de ir sendo libertada ao longo do tempo.   E a capacidade de o fazer numa emergência é muito importante, já que o reator tem 11 válvulas de alívio de pressão.    E a temperatura nesta fase já vai em cerca de 550 °C.

Foi quando os relatórios sobre a possível "fuga de radiação" começaram a surgir.   E foi neste momento, durante o arejamento e descompressão, que a primeira explosão ocorreu.   A explosão ocorreu na "última linha de defesa", no edifício do reactor.


Não é totalmente claro o que aconteceu, mas este será o cenário mais provável:  - os operadores terão decidido expelir o vapor do vaso de pressão, não directamente para o exterior mas no espaço do interior do edifício do reactor (para dar mais tempo ao vapor radioactivo no seu decaímento).   O problema é que àquelas tão altas temperaturas que o núcleo tinha já atingido nesta fase, as moléculas de água podem dissociar-se em oxigénio e hidrogénio - uma mistura explosiva.   E o que aconteceu foi a explosão que danificou a parte superior do edifício do reactor.

Foi esse tipo de explosão, mas efectuada dentro do vaso de pressão (porque foi mal projectado e não adequadamente gerido pelos operadores) que levaram à perigosa explosão do núcleo em Chernobyl.    Isso nunca foi (parece...) um risco em Fukushima.

Assim, a pressão estava sob controle porque o vapor foi ventilado.    Mas se a água dentro do núcleo não circular e não for arrefecida, a sua temperatura vai continuar a aumentar e o seu nível vai continuar a descer.   O núcleo é coberto por vários metros de água, permitindo passar algumas horas (ou dias) antes que as barras do combustível nuclear fiquem expostas.   A partir do momento em que as barras começem a ficar expostas na parte superior, as peças expostas vão atingir a temperatura crítica de 2200 °C, após cerca de 45 minutos.   Isto é, o primeiro isolamento, o tubo de zircaloy, fundir-se-á, inexoravelmente.


E isso começou a acontecer.   O arrefecimento não pôde ser restaurado antes que houvesse alguns danos no revestimento do combustível nuclear.   O material nuclear em si ainda estava intacto, mas o escudo envolvente em zircaloy tinha começado a derreter.   O que aconteceu agora é que alguns dos sub-produtos do decaimento do urânio - césio e iodo radioactivos - começaram a misturar-se com o vapor.   Confirma-se que uma quantidade, embora pequena, de Césio e de Iodo foi detectada no vapor que havia sido libertado para a atmosfera.

E parece ter sido este o "sinal" para o próximo passo -  um grande plano B.   As pequenas quantidades de Césio detectado pelos operadores "diziam" que o revestimento duma das barras, em algum lugar, estava prestes a ceder.   O Plano A tinha sido usado para restaurar um dos sistemas regulares de arrefecimento do núcleo.  
Porque não está claro o que falhou, uma explicação plausível é que o tsunami também tenha poluído toda a água limpa necessária para regular os sistemas de refrigeração, que só deverá usar água destilada.

Porque o Plano A falhou, o Plano B entrou em vigor.   Isto parece ser o que aconteceu:  - a fim de evitar um colapso do núcleo, os operadores começaram a usar a água do mar para arrefecer o núcleo.   Não estou certo se com ela inundaram a “panela de pressão” ou se inundaram o contentor de nível 3 (em cimento), mergulhando nela a panela de pressão.   Nem isso agora é relevante.


O que é relevante é que o combustível nuclear terá sido assim arrefecido.   Porque a reacção em cadeia foi interrompida há já muito tempo, haverá agora muito pouco calor residual que estará a ser produzido.   A grande quantidade de água de refrigeração que tem sido usada é suficiente para reduzir o calor, e o núcleo não produz mais calor suficiente para gerar uma pressão significativa.   Além disso, o ácido bórico foi adicionado à água do mar. O ácido bórico é "vara de controle de líquido", tem uma função atenuadora que reduz a actividade nuclear do oxido de urâneo. Seja qual for a deterioração ainda em curso, o Boro irá captar os neutrões e acelerar ainda mais o efeito de arrefecimento do núcleo.

Neste ponto crítico, aquele reactor esteve muito perto de um derretimento do núcleo.   Aqui reside o pior cenário que foi evitado.   Se a água do mar não tivesse sido usada na operação, os operadores teriam continuado a libertar o vapor de água para evitar a acumulação de pressão.   E o balão contentor teria então sido completamente selado com toneladas de cimento para permitir a fusão do núcleo sem libertar material radioactivo.

Mas, como tudo desde o início do acidente, nesse malfadado dia 11, algo continuou a correr mal, pois que já são explodidos 4 dos 6 reactores (e um deles é de Plutónio, bem mais perigoso em termos de radioactividade), sem que as autoridades japonesas sejam muito claras acerca do que está a acontecer e quais as quantidades de radioatividade que estarão a ser libertadas para a atmosfera, tendo até activado o seu célebre e preocupante “artigo 15º”, transformando tudo isto num eventual temível desastre nuclear. Não só para o Japão, mas para os países vizinhos também. Ou talvez para muito mais longe ainda!...



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Segundo as últimas notícias de hoje, as autoridades elevaram o nível de alerta na central nulcear de Fukushima para 5, numa escala internacional que vai até 7.   O nível agora decretado significa que a situação é um "acidente com amplas consequências".
Esta manhã continuavam as operações de arrefecimento do reactor número 3 da central para evitar uma catástrofe maior.

Entretanto, em mais uma revelação feita pelo site Wikileaks, há dois anos a AIEA (Agência Internacional de Energia Atómica) terá avisado o Japão de que um sismo forte poderia causar danos fortes nas suas centrais nucleares.   Um telegrama diplomático norte-americano indicou que um perito da AEIA se mostrou inquieto pelo facto de os reactores japoneses apenas terem sido concebidos para resistir a sismos até uma magnitude 7.

Segundo o documento, o responsável da AIEA indicou, durante uma reunião do Grupo sobre a segurança nuclear do G8 em Tóquio, em 2008, que os critérios de segurança do Japão eram obsoletos. (Notícia TvNet – 17/3/2011)


Pós-Texto 1: (21/3/2011) - Os funcionários da Tokyo Electric Power Co, o operador da central de Fukushima, receberam hoje ordem de abandonarem o reactor nº 3 após este ter começado a expelir um denso fumo branco.   Tudo indica, até confirmação, que se poderá ter dado o rebentamento da cápsula (panela de pressão) que contém o núcleo de Plutónio, estando eventualmente este material, altamente radioactivo, já em fusão descontrolada, numa situação muito semelhante à de Chernobyl.

Ainda ontem, os funcionários da central diziam que um último recurso, se tudo mais falhar, seria isolar a central com areia e cimento para prevenir a libertação de radiação catastrófica, tal como foi feito em 1986 na central ucraneana.
Acresce ainda o facto de os índices de radioactividade detectada no leite e nos legumes, num raio de 100 km da central, ser de tal forma elevada que já levou as autoridades japonesas a interditarem a sua distribuição e consumo.   Também na água canalizada da cidade de Maebashi, a 100 quilômetros a norte de Tóquio, já foi detectada radioactividade, o que leva a concluir que os níveis freáticos das águas de consumo terão já sido afectadas também, receando-se para breve um eventual anúncio de grave crise nuclear no Japão. 

Pós-Texto 2: - (25/3/2011) - O reactor 3, o mais perigoso por ser de plutónio, continua a expelir fumos altamente radioactivos.  Embora as autoridades japonesas não sejam explícitas quanto ao que realmente se está a passar com o núcleo, tudo indica que este estará já em fusão juntamente com a cápsula, o que fará elevar o nível de perigosidade para grau 6, numa escala de 7 atingido em Chernobyl.
Eis um video que dá conta do estado de destruição destes reactores:


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